O QUE É TERCEIRIZAÇÃO PARA O DIREITO E QUAIS OS RISCOS DE SUA UTILIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Por: Matheus Vitor Uliana do Nascimento[1]


1.    INTRODUÇÃO.

O presente trabalho abordará o conceito da terceirização, fenômeno surgido no cenário de intensa globalização dos mercados no pós-guerra, animado pela superação do modelo de produção fordista, passando-se a adoção do taylorismo, ou toyotismo, marcados pela intensa subdivisão de atribuições produtivas, visando à maximização do potencial competitivo das corporações, através da especialização produtiva.

No Brasil, surgiu a terceirização nas décadas de 1950 e 1960, no âmbito das empresas fabricantes de automóveis, e, logo após, também foi implementada no âmbito da Administração Pública, por conta do permissivo legal instituído no Decreto-Lei 200/1967.

Analisar-se-ão as implicações deste fenômeno no Direito do Trabalho, e os riscos da sua aplicabilidade na Administração Pública nacional, tendo em vista que permite a incorporação de mão de obra ao Estado por contratação regida pela livre iniciativa, despida, portanto, do rigorismo e republicanismo do mandamental constitucional do concurso público. É dizer, quais os riscos de uma afronta a este preceito constitucional tão sensível e importante para uma operação da máquina estatal alinhada aos princípios da igualdade e impessoalidade.

2.    CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO.

O fenômeno juslaboral e econômico da terceirização, igualmente de primordial relevância para este trabalho, pode ser conceituado como sendo:

a estratégia empresarial que consiste em uma empresa transferir para outra, e sob o risco desta, a atribuição, parcial ou integral, da produção de uma mercadoria ou a realização de um serviço, objetivando – isoladamente ou em conjunto – a especialização, a diminuição de custos, a descentralização da produção ou a substituição temporária de trabalhadores (SOBRINHO, 2008, p. 78).

O fenômeno da terceirização surgiu no Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, inicialmente nas empresas multinacionais fabricantes de automóveis, posteriormente se expandindo para outros setores, inclusive para a Administração Pública (VIEIRA, 2015, p. 34).

Sob o prisma do Direito Administrativo, SANTOS (2014, p. 49) aponta a natureza jurídica da terceirização: “poderia se dizer que há duas formas de execução indireta de serviços pela Administração: a delegação de serviços públicos e a terceirização de serviços”. Ambos os institutos, contudo, possuem características e regulamentação jurídica próprias.

De grande relevância ainda o conceito de Maurício Godinho Delgado, autoridade no Direito do Trabalho brasileiro, que define o fenômeno como sendo:

Por tal fenômeno insere-se ao trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços em que se estendam a estes laços jus trabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho, no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais junto a empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação da labor, mas não assume a posição clássica de empregador desse trabalhador envolvido (DELGADO, 2011, p. 426).

Tem-se, portanto, a delimitação de que a terceirização rompe com o conceito clássico bilateral do vínculo empregatício há muito permeado na cultura jurídica nacional.

3.    CONSEQUÊNCIAS DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO.

A relação empregatícia pode ser conceituada como sendo o vínculo existente entre empregado e empregador caracterizado pela presença dos seguintes elementos: subordinação, pessoalidade, remuneração, não eventualidade, conforme art. 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT.

A implementação de uma terceira figura neste vínculo jurídico, a da empresa contratada, fornecedora de mão de obra, rompe com esse paradigma dicotômico, há muito sedimentado na cultura juslaboral brasileira.

Através da terceirização a contratação da mão de obra é intermediada, de modo a, cumpridos os requisitos exigentes para a licitude desta relação tripartite, elidir-se vínculo empregatício direto entre empregado e o tomador da mão de obra. O empregado mantém relação de empregado apenas perante a empresa que oferece a mão de obra ao tomador. A consequência disso é clara e muito significativa para o Direito do Trabalho: o tomador de serviços não é – ao menos não imediatamente, se cumpridos os requisitos legais – obrigado a adimplir direitos trabalhistas, ou mesmo previdenciários, referentes ao empregado terceirizado.

4.    A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

Noutro giro, sob o prisma da Administração Pública, outra consequência imediata da terceirização é a captação, pelo Estado, de mão de obra sem aplicabilidade do rigoroso procedimento de seleção via concurso público.

Na análise de CARVALHO (2022, p. 135): “a acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa a garantir que todos os brasileiros possam participar das atividades do Poder Público, em respeito ao princípio da igualdade, o que garante a este o status de direito fundamental de primeira geração, que deve ser assegurado pelo Estado”.

No Brasil, a terceirização no âmbito da Administração Pública foi pela primeira vez tratado no Decreto-Lei 200/1967 e, doravante, pela Lei 13.429/2017.

No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nº 5.685, 5.686, 5.687, 5.695 e 5.735, o Supremo Tribunal Federal referendou a constitucionalidade deste último diploma normativo, assentando a legitimidade do comando legal que autoriza a terceirização da atividade-fim empresarial, algo que espraia efeitos à Administração Pública, conforme entendimento do plenário da Corte adotada por sua maioria.

5.    RISCOS DA TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

A importância da investigação é evidenciada pelo alerta trazido por Luciano Ferraz (CAVALCANTE FILHO, 2015, p. 9), segundo o qual:

o grande problema surgido em torno da terceirização, principalmente a partir da vigência da atual Constituição Federal, foi a sua utilização como válvula de escape à realização de concursos públicos, com vistas a contornar a regra do art. 37, II, da Constituição.

E continua o autor (p. 12):

Permitir a terceirização de atividades-fim seria substituir o recrutamento via concurso por trabalhadores terceirizados; seria abrir portas para que apadrinhados dos governantes pudessem prestar serviços à Administração Pública, uma vez que a seleção dos trabalhadores terceirizados pela empresa terceirizadora não obedece a qualquer tipo de controle.

Em seu trabalho sobre o tema, KIAN aponta que:

Existe ainda o descaso de certos administradores para com a essência do instituto da terceirização, mascarando verdadeira intermediação de mão-de-obra, ao contratar empresa interposta, o que tem gerado inúmeras ações no âmbito da Justiça do Trabalho. Conclui-se, diante do exposto, que não se deve entender a terceirização como fórmula mágica que livraria a Administração Pública de todos os problemas administrativos, com a vantagem (ilusória) da redução de custos e responsabilidades (2006, p. 12).

É certo que a terceirização ilícita, assim reconhecida, não possui o condão de tornar servidor público o empregado indevidamente terceirizado “somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS (S. 363 do TST)” (MARTINS, 2024, p. 153). No entanto, neste cenário, tem-se consequências nocivas à sociedade, haja vista o patente desrespeito à norma constitucional de acesso ao funcionalismo público via concurso, em homenagem ao comezinho princípio da igualdade, mantendo-se o vetusto clientelismo governamental que no Brasil remonta a seus primórdios.

5.    CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A terceirização, no âmbito da Administração Pública, deve ser implementada dentro de certos padrões de necessidade, levando-se em conta a necessidade de existência de funcionalismo público efetivo, de modo a bem prover a qualidade e, de forma ainda mais sensível, a continuidade do serviço público.

Seguindo-se, por óbvio, a rigor a legislação regulamentadora, a terceirização traz bons frutos à Administração Pública, quando implementada para a gestão de partes do serviço público que são, de fato, melhor geridos pelo setor privado, e que não desvirtuam a essência de um funcionalismo público efetivo, avesso às intempéries políticas pelo resguardo imposto por garantias constitucionais, tais como a estabilidade e a irredutibilidade de subsídios.

Toda e qualquer contratação que possa importar em substituição de pessoal efetivo por mão de obra oriunda de contratos de terceirização deve ser vista com preocupação. O regime precário (passageiro), e privado da contratação destes trabalhadores são absolutamente incompatíveis com o regime permanente e de direito público que deve reger o funcionalismo público, garantias estas impostas pelo Constituinte Originário a bem do interesse público.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Vanessa Cerqueira Reis de. O princípio do concurso público e a contratação por tempo determinado. Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Rio de Janeiro, ed. 55, 2002.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 Ed. São Paulo: LTR 2011.

KIAN, T. Terceirização na administração pública. Revista Do Direito Público, 1(2), 227–240. 2006. Disponível em: “https://doi.org/10.5433/1980-511X.2006v1n2p227”. Acesso em 08 jun. 2024.

SANTOS, Diogo Palau Flores dos. Terceirização de serviços pela administração pública: estudo da responsabilidade subsidiária. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

SOBRINHO, Zéu Palmeira. Terceirização e reestruturação Produtiva. São Paulo: LTr, 2008.

VIEIRA, Antonieta Pereira et al. Gestão de contratos de terceirização na Administração Pública: teoria e prática. 6 ed. Minas Gerais: Fórum, 2015.

[1]Graduado em Direito pela Universidade Federal de Rondônia. Especialista em Direito Processual Civil. Servidor público efetivo da Procuradoria-Geral do Estado de Rondônia.