CLIPPING – DIREITO PÚBLICO Ed. n° 2.511 – MAR/2023

DESTAQUE DE JURISPRUDÊNCIA STJ

Informativo Nº 765 de 07 de março de 2023

CORTE ESPECIAL – JULGAMENTO NÃO CONCLUÍDO

Processo

REsp 1.795.982-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, sessão de julgamento do dia 1º/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Dano moral. Indenização. Art. 406 do Código Civil. Critério de correção. Juros de mora. Taxa Selic. Pedido de vista.

PRIMEIRA TURMA

Processo

AREsp 1.492.971-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

ITBI. Aquisição de imóvel. Composição de Fundo de Investimento Imobiliário. Imunidade. Inexistência. Transferência de propriedade. Fato gerador. Configuração.

Destaque

A aquisição de imóvel para a composição do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, efetivada diretamente pela administradora do fundo e paga por meio de emissão de novas quotas do fundo aos alienantes, configura transferência a título oneroso de propriedade de imóvel para fins de incidência do ITBI, na forma do art. 35 do Código Tributário Nacional e 156, II, da Constituição Federal, ocorrendo o fato gerador no momento da averbação da propriedade fiduciária em nome da administradora no cartório de registro imobiliário.

Processo

REsp 1.940.975-RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023, publicado em 3/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Imposto de Renda – IRRF. Contrato de afretamento de embarcação. Rescisão antecipada. Cláusula contratual denominada “Taxa de Compensação”. Pagamento de valores à empresa estrangeira domiciliada no exterior. Retenção pela fonte pagadora. Alíquota aplicável. Art. 70 da Lei n. 9.430/1996 versus Art. 1º, I, da Lei n. 9.481/1997.

Destaque

A multa por rescisão de um contrato de afretamento deve se submeter à alíquota de 15% para fins de Imposto de Renda, nos termos do art. 70 da Lei n. 9.430/1996.

SEGUNDA TURMA

Processo

REsp 737.364-PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 28/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ECONÔMICO

Tema

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, sobre folha de salários. Emenda Constitucional n. 33/2001. Julgamento pelo STF, sob o regime de repercussão geral. RE 630.898/RS. Juízo de retratação.

Destaque

É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC n. 33/2001.

Processo

AREsp 2.020.222-RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 28/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Recolhimento de custas iniciais. Pagamento parcial. Intimação pessoal. Necessidade. Cancelamento de distribuição. Impossibilidade.

Destaque

A intimação pessoal do autor da ação é obrigatória para a complementação das custas iniciais, restringindo-se à aplicação do cancelamento de distribuição estabelecida no art. 290 do Código de Processo Civil às hipóteses em que não é feito recolhimento algum de custas processuais.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.017.759-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde. Home Care. Internação domiciliar substitutiva da internação hospitalar. Insumos necessários ao tratamento de saúde. Cobertura obrigatória. Custo do atendimento domiciliar limitado ao custo diário em hospital.

Destaque

A cobertura de internação domiciliar, em substituição à internação hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário – insumos a que ele faria jus caso estivesse internado no hospital -, sob pena de desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio, de comprometimento de seus benefícios e da sua subutilização enquanto tratamento de saúde substitutivo à permanência em hospital.

Processo

REsp 1.902.410-MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023, DJe 3/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Termo de compromisso firmado por funcionário que não tinha poderes para representar clube esportivo. Diretor-geral do futebol de base. Validade do negócio jurídico. Aplicação da teoria da aparência.

Destaque

É válido o negócio jurídico firmado por Diretor-geral de Clube de Futebol, por aplicação da Teoria da aparência, quando atuar em nome e no interesse do clube, em negócio jurídico que lhe gerou proveito econômico, ainda que não tenha poderes para representá-lo.

Processo

Processo em segredo de Justiça, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DESPORTIVO

Tema

Transferência de atleta profissional de futebol. Direitos federativos. Direitos econômicos. Diferença. Entidade de prática desportiva. Compartilhamento dos direitos econômicos. Cessão civil. Possibilidade.

Destaque

O compartilhamento de direitos econômicos relativos a atleta profissional de futebol por meio de cessão civil por entidade de prática desportiva não é vedado pelo ordenamento jurídico.

Processo

REsp 1.844.690-CE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação rescisória. Desconstituição de título judicial condenatório. Cumprimento de sentença. Inclusão no polo ativo de terceiro estranho à lide. Pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a parte ré no processo originário. Legitimidade ativa. Não configuração. Terceiro juridicamente interessado. Não configuração. Interesse meramente econômico.

Destaque

Não possui legitimidade para a propositura da ação rescisória de título judicial condenatório o terceiro, pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a parte ré no processo originário, indevidamente incluído no polo passivo na fase de cumprimento de sentença.

Processo

AgInt nos EDcl no REsp 2.006.859-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/2/2023, DJe 15/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Tempestividade. Dia do servidor público (28 de outubro). Segunda-feira de carnaval. Quarta-feira de Cinzas. Os dias que precedem a sexta-feira da Paixão. Dia de Corpus Christi. Feriados locais. Necessidade de comprovação no ato da interposição do recurso. Art. 1.003, § 6º, do Código de Processo Civil.

Destaque

O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de Cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da Paixão e, também, o dia de Corpus Christi não são feriados nacionais, em razão de não haver previsão em lei federal, de modo que deve a parte comprovar a suspensão do expediente forense quando da interposição do recurso, por documento idôneo.

QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.717.144-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Cumprimento de sentença. Ausência de bens passíveis de excussão. Suspensão. Longo período de tempo sem diligências por parte do credor. Juros e correção monetária. Suspensão da fluência. Não cabimento. Supressio. Não configuração.

Destaque

A suspensão do cumprimento de sentença, em virtude da ausência de bens passíveis de excussão, por longo período de tempo, sem diligência por parte do credor, não configura supressio, de modo que não obsta a fluência dos juros e da correção monetária.

Processo

REsp 1.759.745-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO MARCÁRIO

Tema

Publicidade. Utilização de propaganda comparativa. Empresa que se autoavalia como a melhor no que faz. Exagero tolerável. Puffing. Licitude. Propaganda enganosa. Concorrência desleal. Não configuração. Avaliação subjetiva de cada consumidor.

Destaque

É lícita a peça publicitária em que o fabricante ou o prestador de serviço se autoavalia como o melhor naquilo que faz, prática caracterizada como puffing.

Processo

AgInt no REsp 1.802.192-MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/12/2022, DJe 15/12/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação de usucapião. Reconhecimento. Liquidação de sentença. Ausência de pedido expresso na inicial. Decisão extra petita. Não configuração.

Destaque

Não configura decisão extra petita a sentença que, reconhecendo a usucapião, determina a liquidação para individualizar a área usucapida, ainda que não haja pedido expresso na inicial.

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 27/9/2022, DJe 16/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO DA SAÚDE

Tema

Plano de saúde. Indisponibilidade de prestador de serviço credenciado na área de abrangência. Operadora que descumpre o dever de garantir o atendimento no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial. Dever de reembolso.

Destaque

Plano de saúde tem o dever de reembolsar as despesas médico-hospitalares realizadas por beneficiário fora da rede credenciada na hipótese em que descumpre o dever de garantir o atendimento no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial.

QUINTA TURMA

Processo

AgRg no AREsp 2.197.959-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Descaminho. Crime praticado em transporte aéreo. Voo regular. Causa de aumento prevista no § 3º do art. 334 do Código Penal. Incidência.

Destaque

Incide a causa especial de aumento de pena prevista no § 3º do art. 334 do Código Penal quando se tratar de descaminho praticado em transporte aéreo, não sendo relevante o fato de o voo ser regular ou clandestino.

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 28/02/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

Tema

Processo penal militar. Assistente de acusação. Interposição de recurso contra sentença absolutória. Requerimento de absolvição pelo órgão ministerial. Legitimidade. Interpretação sistemática. Analogia.

Destaque

No processo penal militar, o assistente de acusação possui legitimidade para recorrer da sentença absolutória, ainda que a absolvição tenha sido requerida pelo órgão ministerial.

SEXTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Estupro de vulnerável. Vítima do sexo masculino. Competência para julgar crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes. Art. 23, caput e parágrafo único, da Lei n. 13.431/2017. Criação de varas especializadas. Competência subsidiária dos juizados/varas de violência doméstica. Tramitação em vara criminal comum apenas na ausência da jurisdição especializada. Questões de gênero. Irrelevância. Proteção integral e absoluta prioridade.

Destaque

A partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica julgar as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, ressalvada a modulação de efeitos realizada no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ.

Processo

REsp 2.022.413-PA, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Sistema acusatório. Pedido de absolvição suscitado pelo Ministério Público. Interpretação do art. 385 do CPP à luz das alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019. Compatibilidade. Revogação tácita. Não ocorrência. Faculdade de o julgador condenar o acusado em contrariedade ao pedido de absolvição do Parquet. Excepcionalidade. Necessidade de fundamentação substancial.

Destaque

O art. 385 do Código de Processo Penal é compatível com o sistema acusatório e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, responsável por introduzir o art. 3º-A no Código de Processo Penal.

Processo

AgRg no HC 798.551-PR, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Prisão domiciliar. Mãe com filho de até 12 anos incompletos. Primeira infância. Acusada investigada pela prática do crime de corrupção de menores em desfavor do próprio filho. Não cabimento. Necessidade de integral proteção dos menores.

Destaque

A utilização do próprio filho para a prática de crimes, por se tratar de situação de risco ao menor, obsta a concessão de prisão domiciliar.

JURISPRUDÊNCIA

STJ

Informativo
Nº 765 de 07 de março de 2023

CORTE ESPECIAL – JULGAMENTO NÃO CONCLUÍDO

Processo

REsp 1.795.982-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, sessão de julgamento do dia 1º/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Dano moral. Indenização. Art. 406 do Código Civil. Critério de correção. Juros de mora. Taxa Selic. Pedido de vista.

Informações do Inteiro Teor

Trata-se de pedido de indenização por dano moral em que se discute a possibilidade de se aplicar a taxa Selic em detrimento da correção monetária somada aos juros de mora.

O relator, Ministro Luis Felipe Salomão, votou contra a utilização da taxa Selic nos casos de dívidas decorrentes de responsabilidade civil contratual ou extracontratual. Em seu voto, o Ministro ponderou que a taxa Selic não é espelho do mercado, e que não reflete a real depreciação da moeda.

Após o voto do Ministro relator conhecendo do recurso especial e negando-lhe provimento, pediu vista antecipada o Ministro Raul Araújo.

Informações Adicionais

Legislação

Código Civil, art. 406



PRIMEIRA TURMA

Processo

AREsp 1.492.971-SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

ITBI. Aquisição de imóvel. Composição de Fundo de Investimento Imobiliário. Imunidade. Inexistência. Transferência de propriedade. Fato gerador. Configuração.

Destaque

A aquisição de imóvel para a composição do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, efetivada diretamente pela administradora do fundo e paga por meio de emissão de novas quotas do fundo aos alienantes, configura transferência a título oneroso de propriedade de imóvel para fins de incidência do ITBI, na forma do art. 35 do Código Tributário Nacional e 156, II, da Constituição Federal, ocorrendo o fato gerador no momento da averbação da propriedade fiduciária em nome da administradora no cartório de registro imobiliário.

Informações do Inteiro Teor

Discute-se sobre a incidência de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em Município sobre as operações de aquisição de imóveis para o patrimônio de Fundo de Investimento Imobiliário com emissão de novas quotas.

A figura dos Fundos de Investimento Imobiliários é prevista na Lei n. 8.668/1993, que apresenta ao instituto algumas características peculiares.

Segundo o referido diploma legal, o Fundo de Investimento Imobiliário é figura jurídica despersonificada, caracterizada pela comunhão de recursos para o fim específico de aplicação em empreendimentos imobiliários (art. 1°) e constituída sob a forma jurídica de condomínio fechado incidente sobre um patrimônio, o qual é distribuído aos quotistas, em frações, na medida de suas quotas individuais (títulos com natureza de valores mobiliários negociáveis no mercado) (arts. 2° e 3°).

A administração e a gestão do fundo (condomínio) e de seu patrimônio são designadas à entidade com características específicas, que adquirirá, em nome do fundo e em caráter fiduciário, os bens e direitos inerentes à atividade (arts. 5° e 6°), os quais, somados aos seus frutos e rendimentos, não se confundem ou se comunicam com o patrimônio da administradora (art. 7°).

Cabe à entidade administradora a gestão e a administração dos bens por ela adquiridos em caráter fiduciário em nome do condomínio, designando-se a ela a atribuição exclusiva de dispor diretamente deste patrimônio conforme o interesse do fundo (art. 8°).

É o que se extrai da norma constante do art. 9° da Lei, que determina que a disposição dos bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo, assim como a aquisição de novos bens a serem incorporados ao seu patrimônio, deve ser efetivada diretamente pela própria administradora.

Dito isso, verifica-se que, embora os bens adquiridos à universalidade de bens e vinculados à atividade do fundo sejam de propriedade de cada um dos titulares das quotas do condomínio – os quais gozarão dos direitos a elas inerentes na medida de suas quotas individuais -, não podem estes quotistas exercer diretamente qualquer direito real sobre os imóveis e empreendimentos integrantes deste patrimônio (arts. 8° e 13, I).

Anote-se, ainda, que a propriedade fiduciária averbada no registro do imóvel em nome da entidade administradora é apenas o meio jurídico pelo qual se instrumentaliza o exercício da atribuição designada pela lei à administradora do fundo.

Nesse ponto, pode-se assumir a relação jurídica fiduciária firmada entre os quotistas do fundo e a administradora como uma relação jurídica fundada na confiança (fidúcia), com natureza de mandato oneroso (arts. 653 e 658, parágrafo único, do CC/2002 e art. 10, IV, da Lei n. 8.668/1993) e com algumas especificações, como o fato de se firmar ex lege (art. 5° da Lei n. 8.668/1993 e art. 657 do CC/2002), concedendo ao administrador poderes definidos na própria lei (art. 661 do CC/2002 e arts. 8°, 9°, 10, 11 e 12 da Lei n. 8.668/1993) e instrumentalizada pelo regulamento e pela obrigatória averbação no registro imobiliário da propriedade fiduciária (arts. 10 e 11, e §§, da Lei n. 8.668/1993 e art. 653, parte final, e 654 do CC/2002).

A averbação da propriedade fiduciária sobre o bem imóvel identifica o negócio jurídico fiduciário firmado entre o condomínio de quotistas (o fundo) e a administradora, por determinação legal e sem natureza de garantia (art. 1.368-A do CC/2002), mas com a finalidade específica de instrumentalizar a administração e disposição dos bens e direitos dos titulares das quotas.

Do exposto, no que interessa à controvérsia submetida ao julgamento, tem-se que a aquisição de imóvel para o patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, operacionalizada pela emissão de novas quotas do condomínio e efetivada diretamente pela administradora do fundo, configura, a toda evidência, transferência a título oneroso de propriedade de imóvel, caracterizadora de fato gerador do ITBI na forma do art. 35 do CTN e 156, II, da Constituição Federal, ainda que instrumentalizada pela averbação da propriedade fiduciária em nome da administradora no registro imobiliário, momento em que se efetiva a obrigação tributária devida na operação.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 8.668/1993, arts. 1º,, , , , , , , ,10, 11, 12 e 13, I

Código Civil, arts. 653, 654, 657, 658, 661, 1.368-A

Código Tributário Nacional, art. 35

Constituição Federal, art. 156, II



Processo

REsp 1.940.975-RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023, publicado em 3/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Imposto de Renda – IRRF. Contrato de afretamento de embarcação. Rescisão antecipada. Cláusula contratual denominada “Taxa de Compensação”. Pagamento de valores à empresa estrangeira domiciliada no exterior. Retenção pela fonte pagadora. Alíquota aplicável. Art. 70 da Lei n. 9.430/1996 versus Art. 1º, I, da Lei n. 9.481/1997.

Destaque

A multa por rescisão de um contrato de afretamento deve se submeter à alíquota de 15% para fins de Imposto de Renda, nos termos do art. 70 da Lei n. 9.430/1996.

Informações do Inteiro Teor

O art. 1º, inciso I, da Lei n. 9.481/1997, ao dispor “sobre a incidência de imposto de renda na fonte sobre rendimentos de beneficiários residentes ou domiciliados no exterior”, estabeleceu alíquota zero (0%) para o imposto de renda retido pela fonte pagadora, na hipótese de residentes ou domiciliados no exterior auferirem receitas decorrentes de afretamento de embarcações marítimas.

A Lei n. 9.430/1996, por sua vez, ao tratar da tributação das multas, vantagens ou indenizações por rescisão de contrato, estabelece a incidência do imposto de renda com a alíquota de quinze por cento (15%), desde que não seja paga para fins de indenização trabalhista ou destinadas a reparar danos patrimoniais.

Este último dispositivo veicula verdadeira norma antielisiva específica, o que se evidencia sobretudo pelo fato de que o legislador impôs a incidência do imposto inclusive se o beneficiário do pagamento for pessoa isenta, a menos que, na forma do § 5º, seja comprovado o caráter trabalhista ou de reparação de danos patrimoniais.

O objetivo da norma é evitar que sejam embutidos no pagamento de contratos – principalmente os sujeitos à tributação privilegiada, outras despesas, a título de multas ou indenizações rescisórias, que não correspondam efetivamente à causa do contrato propriamente dito, isto é, à atividade ou serviço favorecidos pela ausência de tributação.

Analisando os dispositivos em conflito, chega-se à conclusão de que sobre a multa por rescisão antecipada do contrato de afretamento deve mesmo incidir o imposto, à alíquota de 15%.

Em primeiro lugar, porque a referida receita não integra o conceito de “receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos” de que trata a Lei n. 9.481/1997.

De fato, nem toda receita prevista em um contrato de afretamento necessariamente se caracterizará como “receita de afretamento”, sendo preciso avaliar sua pertinência e seu objeto no contexto contratual.

No caso, não se trata de uma receita de afretamento, mas, sim, uma compensação obtida pela não realização integral de um afretamento, conforme inicialmente previsto. Ou seja, aquela receita da pessoa jurídica estrangeira, embora decorrente de um contrato de afretamento, não foi paga por uma prestação positiva na exploração e produção de petróleo e gás, mas, sim, pela frustração parcial dessa prestação.

É inequívoco que, ainda que a receita derive do contrato de afretamento, trata-se efetivamente de “multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato”, conforme fixado pela origem, se amoldando aos termos do caput do art. 70 da Lei n. 9.430/1996.

À luz do princípio da especialidade, a multa por rescisão contratual devida no contexto de um afretamento, ainda que fosse considerada “receita decorrente do afretamento”, deve se submeter à alíquota de 15% do art. 70 da Lei n. 9.430/1996 (norma antielisiva), e não à alíquota zero do art. 1º, inciso I, da Lei n. 9.481/1997 (norma que insere favor fiscal).

Assim, é da natureza da norma antielisiva específica (regra de prevenção à elusão), estabelecer hipóteses de incidência específicas que alcancem situações vulneráveis a manobras evasivas (ou elisivas que o legislador considere indesejáveis), determinando de antemão um tratamento mais rigoroso ou mesmo fixando desde já a incidência específica da tributação, justamente para prevenir tais flancos.

Na presente hipótese, ainda que se considerasse a referida “taxa de compensação” uma receita decorrente do afretamento, a norma antielisiva seria a norma especial deste conflito aparente de normas (entre alíquota zero por receita de afretamento versus alíquota de 15% por rescisão de contrato).

Nesse contexto, se as normas que estabelecem isenção (assim como as que estabelecem alíquota zero), fossem consideradas normas especiais, o artigo 70 da Lei n. 9.430/1996 jamais seria aplicável às pessoas jurídicas ou às receitas isentas do imposto. Ou, quando muito, a regra seria eficaz apenas em relação às isenções já existentes antes de sua vigência – sendo todas as normas isentivas posteriores especiais em relação a ela. Solução que, não condiz com a vocação de uma norma antielisiva. Tal entendimento tornaria inócua a previsão do artigo 70 da Lei n. 9.430/1996, de que a incidência atinge “a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta”.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 9.481/1997, art. 1º, I

Lei n. 9.430/1996, art. 70



SEGUNDA TURMA

Processo

REsp 737.364-PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 28/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ECONÔMICO

Tema

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, sobre folha de salários. Emenda Constitucional n. 33/2001. Julgamento pelo STF, sob o regime de repercussão geral. RE 630.898/RS. Juízo de retratação.

Destaque

É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC n. 33/2001.

Informações do Inteiro Teor

A Segunda Turma do STJ, com fundamento na jurisprudência firmada à época – no sentido da impossibilidade da cobrança da contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA, incidente sobre a folha de salários das empresas, a partir de setembro de 1989, em face de sua extinção, pelo art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.787/1989 -, negou provimento ao Recurso Especial do INCRA, ensejando a interposição do Recurso Extraordinário.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 630.898/RS, em 8/4/2021, sob o regime de repercussão geral, firmou a compreensão no sentido de que “é constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC n. 33/2001”.

Como se vê, o STF, sob o regime de repercussão geral, concluiu que a contribuição destinada ao INCRA, incidente sobre a folha de salários, é devida também pelas empresas urbanas, mesmo após o advento da EC 33/2001, pelo que firmou entendimento de que não fora ela extinta, seja pela Lei n. 7.787/1989, seja pelas Leis n. 8.212/1991 e n. 8.213/1991, citando, inclusive, julgamento do STJ, de 2008, que concluiu que “resta inequívoca dessa evolução, constante do teor do voto, que: (a) a Lei n. 7.787/1989 só suprimiu a parcela de custeio do Prorural; (b) a Previdência Rural só foi extinta pela Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, com a unificação dos regimes de previdência; (c) entretanto, a parcela de 0,2% (zero vírgula dois por cento) – destinada ao INCRA – não foi extinta pela Lei n. 7.787/1989 e tampouco pela Lei n. 8.213/1891, como vinha sendo proclamado pela jurisprudência desta Corte”.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 8.212/1991

Lei n. 8.213/1991

Lei n. 7.787/1989, art. 3º, § 1º

Precedentes Qualificados

Re percussão Geral – Tema 495


Processo

AREsp 2.020.222-RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 28/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Recolhimento de custas iniciais. Pagamento parcial. Intimação pessoal. Necessidade. Cancelamento de distribuição. Impossibilidade.

Destaque

A intimação pessoal do autor da ação é obrigatória para a complementação das custas iniciais, restringindo-se à aplicação do cancelamento de distribuição estabelecida no art. 290 do Código de Processo Civil às hipóteses em que não é feito recolhimento algum de custas processuais.

Informações do Inteiro Teor

A Corte de origem concluiu que, por se tratar de ausência de complementação das custas iniciais, a hipótese não estaria enquadrada no art. 290 do Código de Processo Civil, que estabelece o prazo de 15 dias para o pagamento das custas e despesas após a intimação da parte autora na pessoa de seu advogado, sob pena de cancelamento da distribuição do feito.

Fundamentou o acórdão recorrido tratar-se o presente caso de abandono da causa por falta de promoção de atos ou diligências próprias do autor do feito, devendo-lhe aplicar a previsão do § 1º do art. 485 do CPC, que prevê a intimação pessoal para oportunizar a regularização no prazo de 5 dias.

O referido entendimento está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que é assente quanto à necessidade de intimação pessoal do advogado no caso de recolhimento parcial das custas ou despesas iniciais, sendo prescindível apenas nos casos de ausência completa de recolhimento. Confira-se: “1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a intimação pessoal do autor da ação é exigência apenas para a complementação das custas iniciais, de modo que, em relação às custas iniciais (em que não é feito recolhimento algum de custas processuais), aplica-se a regra estabelecida no art. 290 do CPC/2015 (correspondente ao art. 257 do CPC/1973). (…) (AgInt no REsp 1.842.026/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1/12/2021)”.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Civil, arts. 290 e 485, § 1º


TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 2.017.759-MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde. Home Care. Internação domiciliar substitutiva da internação hospitalar. Insumos necessários ao tratamento de saúde. Cobertura obrigatória. Custo do atendimento domiciliar limitado ao custo diário em hospital.

Destaque

A cobertura de internação domiciliar, em substituição à internação hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário – insumos a que ele faria jus caso estivesse internado no hospital -, sob pena de desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio, de comprometimento de seus benefícios e da sua subutilização enquanto tratamento de saúde substitutivo à permanência em hospital.

Informações do Inteiro Teor

Destaca-se que, na saúde suplementar, os Serviços de Atenção Domiciliar – SAD, na modalidade de internação domiciliar podem ser oferecidos pelas operadoras como alternativa à internação hospitalar. Somente o médico assistente do beneficiário poderá determinar se há ou não indicação de internação domiciliar em substituição à internação hospitalar e a operadora não pode suspender uma internação hospitalar pelo simples pedido de internação domiciliar. Caso a operadora não concorde em oferecer o serviço de internação domiciliar, deverá manter o beneficiário internado até sua alta hospitalar.

Quando a operadora, por sua livre iniciativa ou por previsão contratual, oferecer a internação domiciliar como alternativa à internação hospitalar, o Serviço de Atenção Domiciliar – SAD deverá obedecer às exigências mínimas previstas na Lei n. 9.656/1998, para os planos de segmentação hospitalar, em especial o disposto nas alíneas “c”, “d”, “e” e “g”, do inciso II do artigo 12 da referida Lei.

Acrescenta-se a isso que, nos termos da jurisprudência desta Corte, “é abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar”

É dizer, a cobertura de internação domiciliar, em substituição à internação hospitalar, deve abranger os insumos necessários para garantir a efetiva assistência médica ao beneficiário, ou seja, aqueles insumos a que ele faria jus acaso estivesse internado no hospital, sob pena de desvirtuamento da finalidade do atendimento em domicílio, de comprometimento de seus benefícios, e da sua subutilização enquanto tratamento de saúde substitutivo à permanência em hospital.

Por sinal, o atendimento domiciliar deficiente, nessas hipóteses, levará, ao fim e ao cabo, a novas internações hospitalares, as quais obrigarão a operadora, inevitavelmente, ao custeio integral de todos os procedimentos e eventos delas decorrentes.

Não por outro motivo, a Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.378.707/RJ (julgado em 26/5/2015, DJe 15/6/2015), decidiu, à unanimidade, que “nos contratos de plano de saúde sem contratação específica, o serviço de internação domiciliar (home care) pode ser utilizado em substituição à internação hospitalar, desde que observados certos requisitos como a indicação do médico assistente, a concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia supera o custo diário em hospital”.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 9.656/1998, art. 12



Processo

REsp 1.902.410-MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023, DJe 3/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Termo de compromisso firmado por funcionário que não tinha poderes para representar clube esportivo. Diretor-geral do futebol de base. Validade do negócio jurídico. Aplicação da teoria da aparência.

Destaque

É válido o negócio jurídico firmado por Diretor-geral de Clube de Futebol, por aplicação da Teoria da aparência, quando atuar em nome e no interesse do clube, em negócio jurídico que lhe gerou proveito econômico, ainda que não tenha poderes para representá-lo.

Informações do Inteiro Teor

A questão controvertida versa acerca da possibilidade de se exigir de pessoa jurídica o cumprimento de obrigação prevista em contrato firmado por pessoa que, embora sua funcionária, não tem, à luz de seu Estatuto Social, poderes para representá-la.

Nos termos do art. 47 do Código Civil, como regra, as pessoas jurídicas apenas se obrigam pelos atos de seus administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.

No caso, o clube de futebol assinou Termo de Compromisso por meio do qual o jogador foi apresentado ao clube e nele efetivamente atuou, tendo sido posteriormente negociado a outro clube. Porém, tal dispositivo legal, nos termos do Enunciado n. 145 da III Jornada de Direito Civil, não afasta a Teoria da Aparência na situação, porquanto o signatário, Diretor-geral do Futebol de Base, atuou em nome e no interesse do clube, em negócio jurídico que lhe gerou proveito econômico.

A doutrina corrobora que, “de fato, afigura-se merecedora de tutela a confiança legítima investida por terceiro diante de circunstâncias objetivas que indiquem que a pessoa que celebra o negócio em nome da pessoa jurídica efetivamente possui poderes para fazê-lo. Nesse caso, a pessoa jurídica restará vinculada à conduta do administrador aparente, tal qual ocorreria se celebrado por administrador regularmente dotado de poderes”.

Assim, razoável que o instrumento contratual em questão, referente a jovem e promissor talento futebolístico, pudesse ser assinado pelo Diretor-geral do Futebol de Base, especialmente quando o documento parece ter sido confeccionado pelo próprio clube.

Por outro lado, o Clube suscita, perante terceiros, a nulidade do negócio jurídico por ofensa ao próprio Estatuto Social quando, em verdade, ele próprio acabou por se aproveitar economicamente desse contrato, o que demonstra efetivo comportamento contraditório e, portanto, contrário à boa-fé objetiva ao tentar impor a seu contratante a observância de norma prevista em seu Estatuto Social que foi por ele próprio descumprida, vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa.

Portanto, àquele que deu causa ao vício não é dado invocá-lo para arguir a nulidade do negócio jurídico. Logo, a aplicação da ‘teoria dos atos próprios’, como concreção do princípio da boa-fé objetiva, segundo a qual a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé.



Processo

Processo em segredo de Justiça, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DESPORTIVO

Tema

Transferência de atleta profissional de futebol. Direitos federativos. Direitos econômicos. Diferença. Entidade de prática desportiva. Compartilhamento dos direitos econômicos. Cessão civil. Possibilidade.

Destaque

O compartilhamento de direitos econômicos relativos a atleta profissional de futebol por meio de cessão civil por entidade de prática desportiva não é vedado pelo ordenamento jurídico.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia busca definir a diferença entre direitos federativos e direitos econômicos e se o compartilhamento dos últimos por meio de cessão civil pela entidade de prática desportiva a terceiro importaria violação dos arts. 27-B, 27-C e 28, inciso II, da Lei n. 9.615/1998.

Os direitos federativos estão relacionados ao vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva, acessório ao vínculo empregatício, e são constituídos com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, como dispõe o art. 28, § 5º, da Lei n. 9.615/1998. São indivisíveis, embora possam ser transferidos a título oneroso ou gratuito, na última hipótese, como ocorre nos casos de empréstimo de atletas, regulado pelo art. 39 da referida lei.

Os direitos econômicos decorrem da obrigatoriedade de se estabelecer cláusula indenizatória nos contratos de trabalho desportivo, podendo tal cláusula ser juridicamente enquadrada como expectativa de direito.

Não se nega que sejam as cláusulas indenizatória e compensatória desportivas devidas exclusivamente à entidade de prática desportiva ou ao atleta. O que ocorre é que esses direitos são tratados nessas operações como expectativa de direitos, em momento antecedente aos requisitos que os constituem como devidos, e que podem ou não ocorrer.

Nesse aspecto, a negociação de tal expectativa de direitos se dará nas hipóteses do art. 28, I, “a”, da Lei n. 9.615/1998, ou seja, quando houver transferência do atleta durante a vigência do contrato de trabalho desportivo, sendo denominada nesse mercado como “direitos econômicos”.

Ao tempo dos fatos, os chamados direitos econômicos eram negociados tanto com clubes como com investidores e outros interessados, em operações relativas à transferência do vínculo desportivo, mas que tinham por objeto o futuro e incerto recebimento da indenização prevista na cláusula indenizatória, obrigatória por força da lei para essa espécie de contrato de trabalho.

Como o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora são solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva, conforme § 2º do art. 28 da Lei n. 9.615/1998, o interesse em operações dessa natureza decorre exatamente do contexto do mercado envolvido.

Os atletas originalmente vinculam-se desportivamente a entidades que realizam sua formação e, com o passar do tempo e o desenvolvimento de seus talentos, a expectativa de que a cláusula indenizatória alcance cifras expressivas torna a expectativa desse direito de recebê-la altamente atrativa aos clubes.

Assim, embora os clubes sejam os titulares do direito ao recebimento dos valores previstos na cláusula indenizatória, o mercado desportivo organizou-se de modo a tornar a expectativa desse direito um ativo relevante e negociável.

Evidente que a própria lógica do negócio parece desvirtuar a razão pela qual são previstas cláusulas indenizatórias. É dizer, o próprio clube supostamente prejudicado pelo descumprimento contratual é que na maioria das vezes negocia a transferência do vínculo federativo do atleta antes do término do contrato de trabalho e, por consequência, os direitos econômicos correspondentes.

Ainda que atualmente esses negócios só possam ser entabulados entre entidades de prática desportiva, contexto diverso daquele existente na época da operação, o certo é que não há vedação legal à cessão de direitos econômicos.

Portanto, no caso, a cessão de crédito sobre 10% (dez por cento) dos direitos econômicos relacionados com a operação, ou seja, percentual sobre a expectativa do valor que seria recebido a título de cláusula indenizatória em razão da transferência do vínculo desportivo do atleta para o clube estrangeiro continuou hígida, sendo válida e eficaz em relação ao clube recorrente, sem que se possa falar em violação dos arts. 27-B, 27-C e 28, inciso II, da Lei n. 9.615/1998.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 9.615/1998, arts. 27-B, 27-C , 28,
caput
, I, “a”, II, § 2º e § 5º, e art. 39


Processo

REsp 1.844.690-CE, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação rescisória. Desconstituição de título judicial condenatório. Cumprimento de sentença. Inclusão no polo ativo de terceiro estranho à lide. Pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a parte ré no processo originário. Legitimidade ativa. Não configuração. Terceiro juridicamente interessado. Não configuração. Interesse meramente econômico.

Destaque

Não possui legitimidade para a propositura da ação rescisória de título judicial condenatório o terceiro, pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a parte ré no processo originário, indevidamente incluído no polo passivo na fase de cumprimento de sentença.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia resume-se a saber se o banco que integra o mesmo conglomerado econômico de pessoa jurídica que incorporou outra instituição financeira possui legitimidade para o ajuizamento de ação rescisória visando à desconstituição de título judicial condenatório proferido contra esta.

No caso, em que pese ter sido admitida a existência de documento oficial emitido pelo Banco Central do Brasil por meio do qual se conclui que a instituição financeira não foi incorporada pelo banco, mas por outra pessoa jurídica que integra o mesmo conglomerado econômico, foi reconhecida a legitimidade do banco, pois teria sido quem foi indicado como parte executada no pedido de cumprimento de sentença.

A legitimidade para a propositura da ação rescisória não pode ser definida a partir da constatação de quem está respondendo, ainda que indevidamente, ao pedido de cumprimento de sentença, senão pela averiguação de quem foi diretamente alcançado pelos efeitos da coisa julgada formada na decisão rescindenda, ou seja, quem integrava a relação jurídico-processual na demanda originária da qual resultou o título judicial que se busca rescindir.

Nos termos do art. 967 do Código de Processo Civil de 2015, são legitimados para a propositura de ação rescisória quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular, o terceiro juridicamente interessado, o Ministério Público e aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção.

O fato de ter sido apresentado pedido de cumprimento de sentença contra pessoa jurídica distinta daquela que sucedeu a parte ré no processo originário não serve ao propósito de lhe conferir legitimidade para a propositura da ação rescisória, nem sequer sob a condição de terceiro interessado, tendo em vista que o interesse capaz de conferir legitimidade ativa ao terceiro é apenas o jurídico, e não o meramente econômico.

Ainda sob a disciplina do revogado art. 487, II, do Código de Processo Civil de 1973, que também conferia legitimidade ao terceiro juridicamente interessado para propor ação rescisória, esta Corte Superior de Justiça bem delimitou o conceito de “interesse jurídico” para fins de aplicação do referido preceito legal, no sentido de que “revela-se pela titularidade de relação jurídica conexa com aquela sobre a qual dispôs sentença rescindenda, bem como pela existência de prejuízo jurídico sofrido”.

Assim, deve ser julgada extinta a ação rescisória ajuizada pelo banco, por ilegitimidade ativa ad causam.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Civil, art. 967

Código Civil, art. 50



Processo

AgInt nos EDcl no REsp 2.006.859-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/2/2023, DJe 15/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Tempestividade. Dia do servidor público (28 de outubro). Segunda-feira de carnaval. Quarta-feira de Cinzas. Os dias que precedem a sexta-feira da Paixão. Dia de Corpus Christi. Feriados locais. Necessidade de comprovação no ato da interposição do recurso. Art. 1.003, § 6º, do Código de Processo Civil.

Destaque

O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de Cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da Paixão e, também, o dia de Corpus Christi não são feriados nacionais, em razão de não haver previsão em lei federal, de modo que deve a parte comprovar a suspensão do expediente forense quando da interposição do recurso, por documento idôneo.

Informações do Inteiro Teor

O artigo 1.003, § 6º, do Código de Processo Civil estabelece que o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o que impossibilita a regularização posterior.

O dia do servidor público (28 de outubro), a segunda-feira de carnaval, a quarta-feira de Cinzas, os dias que precedem a sexta-feira da Paixão e, também, o dia de Corpus Christi não são feriados nacionais, em razão de não haver previsão em lei federal, de modo que o dever da parte de comprovar a suspensão do expediente forense quando da interposição do recurso, por documento idôneo, não é elidido.

Desse modo, os recursos interpostos na instância de origem, mesmo que endereçados a esta Corte Superior, observam o calendário de funcionamento do tribunal local, não podendo se utilizar, para todos os casos, dos feriados e das suspensões previstas em Portaria e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que muitas vezes não coincidem com os da Justiça estadual.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Civil, art. 1.003, § 6º.


QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.717.144-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Cumprimento de sentença. Ausência de bens passíveis de excussão. Suspensão. Longo período de tempo sem diligências por parte do credor. Juros e correção monetária. Suspensão da fluência. Não cabimento. Supressio. Não configuração.

Destaque

A suspensão do cumprimento de sentença, em virtude da ausência de bens passíveis de excussão, por longo período de tempo, sem diligência por parte do credor, não configura supressio, de modo que não obsta a fluência dos juros e da correção monetária.

Informações do Inteiro Teor

O Tribunal de origem, malgrado tenha afastado a prescrição intercorrente, ou seja, tenha reconhecido que a fluência do tempo não extinguira a pretensão do exequente, identificou que a inação do exequente foi significativa na convicção de que o direito não mais se exerceria. Como consequência, excluiu do montante devido os juros e atualização monetária desde o momento da suspensão do feito.

O instituto da supressio não se confunde com a extinção dos direitos, de exigência ou formativos, pela prescrição ou pela decadência, embora tais institutos tenham como ponto comum seu fundamento na necessidade de estabilização das relações jurídicas.

A supressio consubstancia-se na impossibilidade de se exercer um direito por parte de seu titular em razão de seu não exercício por certo período variável de tempo e que, em razão dessa omissão, gera da parte contrária uma expectativa legítima de que não seria mais exigível. Portanto, pelo não exercício do direito passível de ser exercido por um lapso temporal – não determinável a priori – a outra parte da relação obrigacional confia que a situação se estabilizou e que não será compelida a cumpri-la, revelando-se, pois, certo abrandamento do princípio pacta sunt servanda, não mais tomado no sentido absoluto típico de sua formulação liberal.

Há, por conseguinte, um deslocamento do eixo meramente temporal e, em decorrência, subjetivamente indiferente, para a análise da omissão do credor distendida no tempo e do correlato efeito quanto à expectativa do devedor na preservação da estabilidade jurídica gerada por aquele comportamento. A omissão, portanto, ganha relevância jurídica ao provocar na outra parte a convicção de que o direito subjetivo não mais será exercido.

Portanto, para a configuração da supressio e a decorrente perda do direito subjetivo de exigência ou formativo, deve-se perquirir, concretamente, acerca da relevância jurídica da omissão da parte e de sua repercussão na convicção da outra parte, confiante de que o direito não será exercido. Torna-se patente, por conseguinte, que o instituto da supressio constitui fragmento do princípio da boa-fé objetiva, em sua feição limitadora de direitos e, por esse motivo, é tratado pela doutrina como o exercício inadmissível de direitos. Embora reconhecido pela jurisprudência antes mesmo de sua previsão normativa, atualmente o princípio da boa-fé objetiva tem assento no art. 422 do Código Civil.

Contrariamente, na prescrição – extinção da pretensão – e na decadência – extinção do direito potestativo ou formativo – não há que se indagar acerca da observância da boa-fé ou do dever de lealdade ou confiança, porquanto seu elemento operativo é a simples fluência do tempo legalmente determinado. Assim, independentemente da conduta do credor, o mero transcurso do tempo implicará a extinção do direito de seu titular.

Curiosamente, o desenvolvimento do instituto da supressio, como de outros relacionados à inadmissibilidade do exercício de direitos, liga-se exatamente ao fenômeno inflacionário e ao abrandamento do princípio do nominalismo, para, com fundamento na boa-fé em sua vertente objetiva, interferir no cumprimento das obrigações.

No caso presente, contudo, a supressio não tem aplicação, porquanto não se permite o reconhecimento de que a suspensão do processo de execução, em razão da inexistência de bens, tenha incutido no executado a expectativa legítima de que não seria mais exercido. Ora, o direito do exequente foi efetivamente exercido ao ajuizar a ação e ao ser dado início ao cumprimento da sentença transitada em julgado. Conquanto determinadas vicissitudes a que estão sujeitos os processos judiciais possam implicar delongas em seu desenvolvimento ou mesmo na concretização do direito das partes, tais circunstâncias não podem ser consideradas verdadeiramente significativas, de modo a qualificar uma omissão como relevante para a extinção do direito.

Em casos tais, o exequente permanece em uma situação de espera, e o elemento significativo para a circunstância da suspensão do processo – e o protraimento da concretização do direito reconhecido na sentença – não é sua omissão, mas a ausência de patrimônio passível de excussão para o adimplemento da obrigação. Infere-se, pois, que não se pode caracterizar a relevância jurídica da paralisação do processo como causa para a extinção do direito, integral ou parcialmente, pela ocorrência da supressio.

Informações Adicionais

Legislação

Código Civil, art. 422



Processo

REsp 1.759.745-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO MARCÁRIO

Tema

Publicidade. Utilização de propaganda comparativa. Empresa que se autoavalia como a melhor no que faz. Exagero tolerável. Puffing. Licitude. Propaganda enganosa. Concorrência desleal. Não configuração. Avaliação subjetiva de cada consumidor.

Destaque

É lícita a peça publicitária em que o fabricante ou o prestador de serviço se autoavalia como o melhor naquilo que faz, prática caracterizada como puffing.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a determinar se configuraria propaganda enganosa ou concorrência desleal a utilização do claim “Melhor em tudo o que faz”, pois seria uma informação passível de medição objetiva.

Essa expressão caracteriza-se como puffing, sendo forma de publicidade que utiliza o exagero publicitário como método de convencimento dos consumidores.

A respeito deste método publicitário, a doutrina aponta que “haverá muitos casos em que o puffing, ainda que utilizado intencionalmente para atrair o consumidor incauto, acaba não podendo ser capaz de tornar enganoso o anúncio. Isso é muito comum nos casos dos aspectos subjetivos típicos dos produtos ou serviços: quando se diz que é o ‘mais gostoso’; tenha ‘o melhor paladar’; ‘o melhor sabor’; ‘o lugar mais aconchegante’; ‘o mais acolhedor’; ‘a melhor comédia’; ‘o filme do ano’; etc. Como tais afirmações dependem de uma avaliação crítica (ou não) subjetiva de cada consumidor, fica difícil, senão impossível, atribuir de fato a possibilidade da prova da verdade da afirmação. Afinal, gosto é difícil de discutir”.

No caso, de acordo com o exposto nas razões do especial, as peças publicitárias dariam a entender ser o seu produto melhor do que outros em relação aos atributos cor, consistência e sabor, e, por esse motivo, a ocorrência de propaganda enganosa, bem como concorrência desleal capazes de violar, respectivamente, o art. 37 do Código de Defesa do Consumidor e o art. 195 da Lei da Propriedade Industrial.

Contudo, não é razoável proibir o fabricante ou prestador de serviço de se autoproclamar o melhor naquilo que faz, mormente porque essa é a autoavaliação do seu produto e a meta a ser alcançada, ainda mais quando não há nenhuma mensagem depreciativa no tocante aos seus concorrentes.

Além disso, a empresa concorrente, em sua argumentação, realiza uma excessiva infantilização do consumidor médio brasileiro, como se a partir de determinada peça publicitária tudo fosse levado ao pé da letra, ignorando a relevância das preferências pessoais, bem como a análise subjetiva de custo-benefício.

Percebe-se, desse modo, que os exemplos indicados pela doutrina como de puffing se amoldam perfeitamente à hipótese sub judice, qual seja, uma afirmação exagerada que depende de uma avaliação crítica subjetiva para averiguação, não sendo possível mensuração objetiva.

Nesse sentido, caso se considere existir conteúdo comparativo na expressão entre o produto de uma empresa e os demais da mesma espécie oferecidos no mercado, o entendimento do STJ firmou-se no sentido de admitir a publicidade comparativa, desde que obedeça ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva e não abusiva. A propaganda ilegal é aquela que induz em erro o consumidor, causando confusão entre as marcas, ocorrendo de maneira a depreciar a marca do concorrente, com o consequente desvio de sua clientela, prestando informações falsas e não objetivas (REsp 1.377.911/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 19/12/2014).

Não há, na expressão veiculada nas propagandas comerciais, nenhuma depreciação aos produtos de suas concorrentes, apenas exortação ao seu próprio, o que não é vedado pela legislação brasileira.

Portanto, é lícita a utilização da frase “Melhor em tudo o que faz”.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Defesa do Consumidor, art. 37

Lei n. 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), art. 195



Processo

AgInt no REsp 1.802.192-MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/12/2022, DJe 15/12/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação de usucapião. Reconhecimento. Liquidação de sentença. Ausência de pedido expresso na inicial. Decisão extra petita. Não configuração.

Destaque

Não configura decisão extra petita a sentença que, reconhecendo a usucapião, determina a liquidação para individualizar a área usucapida, ainda que não haja pedido expresso na inicial.

Informações do Inteiro Teor

Nos termos do art. 492 do Código de Processo Civil, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Por sua vez, o mesmo diploma legal, no art. 141, dispõe que “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.

Daí se reconhece que a atuação de ofício do magistrado que ultrapassa os limites do pedido inicial enseja decisão extra petita.

Esta Corte já definiu que não há violação dos limites da causa quando o julgador reconhece os pedidos implícitos formulados na petição inicial, não estando restrito ao que está expresso no capítulo referente aos pedidos, sendo-lhe permitido extrair da interpretação lógico-sistemática da petição inicial aquilo que a parte pretende obter, aplicando o princípio da equidade (AgInt no REsp 1.823.194/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/2/2022, DJe 17/2/2022).

Isso porque, para compreender os limites do pedido, é preciso também interpretar a intenção da parte com a instauração da demanda. Assim, não é extra petita o julgado que decide questão que é reflexo do pedido deduzido na inicial. Supera-se a ideia da absoluta congruência entre o pedido e a sentença para outorgar a tutela jurisdicional adequada e efetiva à parte, o que se verifica no caso concreto.

A conclusão pela necessidade de liquidação de sentença com a produção de perícia técnica para determinar e individualizar a área usucapida de imóvel maior e indiviso apenas outorga tutela jurisdicional adequada e efetiva à parte, na medida em que necessária para a expedição do mandado de registro da usucapião para certificar e dar publicidade ao domínio no cartório de registro de imóveis, mormente quando os arts. 1.238 e 1.241, parágrafo único, do Código Civil estabelecem que a sentença de usucapião servirá de título para o registo no cartório de imóveis.

Assim, a possibilidade de registro da sentença que reconheceu a usucapião de imóvel (aí incluída a necessária individualização da área usucapida) é reflexo do pedido deduzido na inicial, sendo desnecessário pedido explícito da parte nesse sentido.

Logo, não há falar em julgamento extra petita, porquanto o órgão julgador não desrespeitou os limites objetivos da pretensão inicial nem concedeu providência jurisdicional diversa da que fora requerida, em atenção ao princípio da congruência ou adstrição.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Civil, art. 141
e art. 492

Código Civil, art. 1.238
e art. 1.241


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 27/9/2022, DJe 16/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO DA SAÚDE

Tema

Plano de saúde. Indisponibilidade de prestador de serviço credenciado na área de abrangência. Operadora que descumpre o dever de garantir o atendimento no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial. Dever de reembolso.

Destaque

Plano de saúde tem o dever de reembolsar as despesas médico-hospitalares realizadas por beneficiário fora da rede credenciada na hipótese em que descumpre o dever de garantir o atendimento no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial.

Informações do Inteiro Teor

Controvérsia afeta à possibilidade de considerar cumprida a obrigação do plano de garantir acesso do beneficiário aos serviços e procedimentos para atendimento das coberturas, na hipótese de indisponibilidade de prestador de serviço credenciado no município de abrangência do plano, quando existir hospital credenciado em município limítrofe.

Nos termos da Resolução Normativa n. 259/2011 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em caso de indisponibilidade de prestador credenciado da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento, preferencialmente, no âmbito do mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial da operadora do plano de saúde, cujo pagamento se dará mediante acordo entre as partes (operadora do plano e prestador).

Somente em caso de inexistência de prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município é que será devido o atendimento em município limítrofe.

Ademais, competia à operadora de saúde ter realizado a indicação de prestador não credenciado para o atendimento da beneficiária no município de abrangência, sendo certo que o pagamento se daria “mediante acordo entre as partes”, ou seja, entre a operadora e o prestador do serviço.

Ressalte-se, que, nessas hipóteses, a operadora tem a obrigação, ainda, de custear o transporte do beneficiário (ida e volta) e se, por qualquer motivo, descumprir a garantia de atendimento, incidirá o disposto no artigo 9º, que prevê reembolso integral.

Seja em razão da primazia do atendimento no município pertencente à área geográfica de abrangência, ainda que por prestador não integrante da rede credenciada, seja em virtude da não indicação, pela operadora, de prestador junto ao qual tenha firmado acordo, bem como diante da impossibilidade de a parte autora se locomover a município limítrofe, afigura-se devido o reembolso integral das despesas realizadas, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da solicitação de reembolso, conforme previsão expressa do artigo 9° da RN n. 259/11 da ANS.

Informações Adicionais

Legislação

Resolução Normativa n. 259/2011 da ANS, art. 9º


QUINTA TURMA

Processo

AgRg no AREsp 2.197.959-SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por maioria, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Descaminho. Crime praticado em transporte aéreo. Voo regular. Causa de aumento prevista no § 3º do art. 334 do Código Penal. Incidência.

Destaque

Incide a causa especial de aumento de pena prevista no § 3º do art. 334 do Código Penal quando se tratar de descaminho praticado em transporte aéreo, não sendo relevante o fato de o voo ser regular ou clandestino.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia consiste em definir se a pena ao crime de descaminho deve ser aplicada em dobro quando o transporte aéreo ocorre por meio de voo regular.

O art. 334, § 3º, do Código Penal prevê a aplicação da pena em dobro, se “o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo”. Nos termos da jurisprudência desta Corte, se a lei não faz restrições quanto à espécie de voo que enseja a aplicação da majorante, não cabe ao intérprete restringir a aplicação do dispositivo legal, sendo irrelevante que o transporte seja clandestino ou regular (HC 390.899/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 28/11/2017).

No caso, a Corte de origem consignou o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, quando se tratar de descaminho praticado em transporte aéreo, incide a causa de aumento supracitada, não sendo relevante o fato de o voo ser regular ou clandestino. No relatório do acórdão da Corte Regional Federal, aliás, registra-se que parte das mercadorias foi, inclusive, para a zona de abandono (fora das barreiras alfandegárias). Assim, ficou demonstrado que a mercadoria ingressou no país, transpondo a aduana, concluindo-se pela modalidade consumada do delito e a consequente causa de aumento.

Informações Adicionais

Legislação

Código Penal, art. 334, §3º



Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 28/02/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

Tema

Processo penal militar. Assistente de acusação. Interposição de recurso contra sentença absolutória. Requerimento de absolvição pelo órgão ministerial. Legitimidade. Interpretação sistemática. Analogia.

Destaque

No processo penal militar, o assistente de acusação possui legitimidade para recorrer da sentença absolutória, ainda que a absolvição tenha sido requerida pelo órgão ministerial.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia apresentada diz respeito à possibilidade de o assistente de acusação, no processo penal militar, interpor apelação independentemente da existência de recurso do Ministério Público.

O art. 65 do Código de Processo Penal Militar (CPPM) dispõe que o assistente não poderá “impetrar recursos, salvo de despacho que indeferir o pedido de assistência”.

O art. 271 do Código de Processo Penal (CPP), por sua vez, dispõe que ao “assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598”.

Esta Corte Superior, analisando o papel do assistente de acusação no processo penal comum, aplica interpretação sistemática ao art. 271 do CPP, não se restringindo à literalidade do dispositivo. No ponto, é firme a jurisprudência no sentido de que “o assistente de acusação tem legitimidade para, quando já iniciada a persecução penal pelo seu órgão titular, atuar em seu auxílio e também supletivamente, na busca pela justa sanção, podendo apelar, opor embargos declaratórios e até interpor recurso extraordinário ou especial (REsp 1.675.874/MS, Voto do Ministro Rogério Schietti Cruz)” (AgRg nos EDcl no AREsp 1.565.652/RJ, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 23/6/2020).

Conforme explica a doutrina, “o Direito não é um mero conjunto de normas, mas compõe um ordenamento, em que cada parte tem conexão com o todo, à luz do qual deve ser compreendida. A interpretação sistemática busca promover a harmonia entre essas partes. Isso não significa dizer que essa harmonia no ordenamento seja um dado da realidade, que se possa comprovar pela análise das leis em vigor. Sabe-se, pelo contrário, que no Estado contemporâneo, caracterizado pela inflação legislativa e pelo pluralismo dos interesses que são juridicamente tutelados, a existência de tensões e conflitos entre normas jurídicas é fenômeno corriqueiro. Na verdade, a busca da harmonização e da coerência no ordenamento é uma tarefa que o intérprete deve perseguir; muitas vezes uma tarefa dificílima. Trata-se de um ponto de chegada que se aspira atingir, e não do ponto de partida do intérprete”.

Assim, igual raciocínio – interpretação sistemática acerca do papel do assistente de acusação – deve ser aplicado à legislação processual penal militar, de vez que “não se pode privar a vítima, que efetivamente sofreu, como sujeito passivo do crime, o gravame causado pelo ato típico e antijurídico, de qualquer tutela jurisdicional, sob pena de ofensa às garantias constitucionais do acesso à justiça e do duplo grau de jurisdição” (HC 123.365/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 23/8/2010).

Quanto à não caracterização de inércia do órgão ministerial a possibilitar a interposição recursal supletiva, destaca-se que “O assistente de acusação possui legitimidade para interpor recurso de apelação, em caráter supletivo, nos termos do art. 598 do CPP, ainda que o Ministério Público tenha requerido a absolvição do réu em plenário” (REsp 1.451.720/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 24/6/2015).

Esse mesmo entendimento já foi externado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 102.085/RS, relatora ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 10/6/2010, DJe 27/8/2010).

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Penal (CPP), arts. 271
e 598

Código de Processo Penal Militar (CPPM), arts. 3º
e 65


SEXTA TURMA

Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Estupro de vulnerável. Vítima do sexo masculino. Competência para julgar crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes. Art. 23, caput e parágrafo único, da Lei n. 13.431/2017. Criação de varas especializadas. Competência subsidiária dos juizados/varas de violência doméstica. Tramitação em vara criminal comum apenas na ausência da jurisdição especializada. Questões de gênero. Irrelevância. Proteção integral e absoluta prioridade.

Destaque

A partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica julgar as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, ressalvada a modulação de efeitos realizada no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ.

Informações do Inteiro Teor

A Terceira Seção desta Corte Superior uniformizou a interpretação a ser conferida ao art. 23 da Lei n. 13.431/2017 no julgamento do EAREsp 2.099.532/RJ, fixando a tese de que, após o advento desta norma, “nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar”, ressalvada a modulação de efeitos realizada naquele julgamento.

O Legislador estabeleceu, no caput do artigo supracitado, como possibilidade aos órgãos responsáveis pela organização judiciária, a criação de varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente. Enquanto não instituídas as varas especializadas, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal determinou que as causas decorrentes de práticas de violência contra crianças e adolescentes, independentemente de considerações acerca do sexo da vítima ou da motivação da violência, deveriam tramitar nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica.

Desse modo, as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes devem tramitar nas varas especializadas previstas no caput do art. 23 do referido diploma legal e, caso elas ainda não tenham sido criadas, nos juizados ou varas especializadas em violência doméstica, conforme determina o parágrafo único do mesmo artigo. Somente nas comarcas em que não houver varas especializadas em violência contra crianças e adolescentes ou juizados/varas de violência doméstica, poderá a ação tramitar na vara criminal comum.

Esta interpretação tem como objetivo, em primeiro lugar, evitar que os dispositivos da Lei n. 13.431/2017 se transformem em letra morta, o que frustraria o objetivo legislativo de instituir um regime judicial protetivo especial para crianças e adolescentes vítimas de violências. De outra parte, também concretiza os princípios da proteção integral e da absoluta prioridade (art. 227 da Constituição Federal), bem como o compromisso internacional do Brasil em proteger crianças e adolescentes contra todas as formas de violência (art. 19 do Decreto n. 99.710/1990), estabelecendo que a submissão destes à competência especializada decorre de sua vulnerabilidade enquanto pessoa humana em desenvolvimento, independentemente de considerações quanto ao sexo, motivação do crime, circunstâncias da violência ou outras questões similares.

Outrossim, a tese de que o alargamento da competência dos juízos especializados em violência doméstica poderá prejudicar a prestação jurisdicional precípua destes órgãos, qual seja, de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, não justifica que se desconsidere a disposição expressa da lei. Em verdade, incumbe aos órgãos responsáveis pela organização judiciária avaliar o impacto do processamento de tais ações penais sobre os juizados de violência doméstica e, analisando as peculiaridades de cada local, criar as varas ou juizados especializados, na forma do art. 23 da Lei n. 13.431/17, dando assim cumprimento à imposição legal de conferir prestação jurisdicional célere e especializada tanto às mulheres quanto às crianças e adolescentes.

Informações Adicionais

Legislação

Lei n. 13.431/2017, art. 23

Constituição Federal, art. 227

Decreto n. 99.710/1990, art. 19


Saiba mais:

Processo

REsp 2.022.413-PA, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Sistema acusatório. Pedido de absolvição suscitado pelo Ministério Público. Interpretação do art. 385 do CPP à luz das alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019. Compatibilidade. Revogação tácita. Não ocorrência. Faculdade de o julgador condenar o acusado em contrariedade ao pedido de absolvição do Parquet. Excepcionalidade. Necessidade de fundamentação substancial.

Destaque

O art. 385 do Código de Processo Penal é compatível com o sistema acusatório e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, responsável por introduzir o art. 3º-A no Código de Processo Penal.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia consiste em definir se é possível que o julgador condene criminalmente o réu mesmo quando o Ministério Público pede expressamente a sua absolvição em alegações finais, sobretudo à luz das disposições trazidas pela nova Lei n. 13.964/2019, cuja sistemática haveria revogado tacitamente o art. 385 do Código de Processo Penal.

Ao contrário de outros sistemas, em que o Ministério Público dispõe – por critérios de discricionariedade -, da ação, no processo penal brasileiro o Promotor de Justiça não pode abrir mão do dever de conduzir a actio penalis até seu desfecho, quer para a realização da pretensão punitiva, quer para, se for o caso, postular a absolvição do acusado, hipótese que não obriga o juiz natural da causa, consoante disposto no art. 385 do Código de Processo Penal, a atender ao pleito ministerial.

O art. 385 do Código de Processo Penal prevê que, quando o Ministério Público pede a absolvição do acusado, ainda assim o juiz está autorizado a condená-lo, dada, também aqui, sob a ótica do Poder Judiciário, a soberania do ato de julgar. Ademais, no nosso sistema, ao contrário de outros, o órgão ministerial não dispõe livremente da ação penal. O Ministério Público é o titular da ação penal, mas dela não pode, por razões de conveniência institucional, simplesmente dispor, tal como ocorre na ação penal de iniciativa privada.

A compreensão, portanto, é de que as posições contingencialmente adotadas pelos representantes do Ministério Público no curso de um processo não eliminam o conflito que está imanente, permanente, na persecução penal, que é o conflito entre o interesse punitivo do Estado, representado pelo Parquet, Estado acusador, e o interesse de proteção à liberdade do indivíduo acusado, ambos sob a responsabilidade do órgão incumbido da soberana função de julgar, por meio de quem, sopesadas as alegações e as provas produzidas sob o contraditório judicial, o Direito se expressa concretamente.

Portanto, mesmo que o órgão ministerial, em alegações finais, não haja pedido a condenação do acusado, ainda assim remanesce presente a pretensão acusatória formulada no início da persecução penal – pautada pelos princípios da obrigatoriedade, da indisponibilidade e pelo caráter publicista do processo -, a qual é julgada pelo Estado-juiz, mediante seu soberano poder de dizer o direito (juris dicere).

É preciso lembrar, a propósito, que o princípio da correlação vincula o julgador apenas aos fatos narrados na denúncia – aos quais ele pode, inclusive, atribuir qualificação jurídica diversa (art. 383 do CPP) -, mas não o vincula aos fundamentos jurídicos invocados pelas partes em alegações finais para sustentar seus pedidos.

Dessa forma, uma vez veiculada a acusação por meio da denúncia e alterado o estado natural de inércia da jurisdição – inafastável do Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal -, o processo segue por impulso oficial e o juiz tem o dever – pautado pelo sistema da persuasão racional – de analisar o mérito da causa submetida à sua apreciação à vista da hipótese acusatória contida na denúncia, sem que lhe seja imposto o papel de mero homologador do que lhe foi proposto pelo Parquet.

A submissão do magistrado à manifestação final do Ministério Público, a pretexto de supostamente concretizar o princípio acusatório, implicaria, em verdade, subvertê-lo, transmutando o órgão acusador em julgador e solapando, além da independência funcional da magistratura, duas das basilares características da jurisdição: a indeclinabilidade e a indelegabilidade.

Com efeito, é importante não confundir a desistência da ação – que é expressamente vedada ao Ministério Público pela previsão contida no art. 42 do CPP e que levaria, se permitida, à extinção do processo sem resolução do mérito e sem a formação de coisa julgada material -, com a necessária vinculação do julgador aos fundamentos apresentados por uma das partes em alegações finais, cujo acolhimento leva à extinção com resolução do mérito da causa e à formação de coisa julgada material insuperável, porquanto proibida a revisão criminal pro societate em nosso ordenamento.

Bem observa a doutrina que, ao atribuir privativamente ao Ministério Público a função de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou no art. 129, I, que isso deveria ser exercido “na forma da lei” (“promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”), de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP. É dizer, mesmo sujeita a algumas críticas doutrinárias legítimas, a referida previsão normativa não chega ao ponto de poder ser considerada incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, tampouco com o sistema acusatório entre nós adotado.

Faz-se apenas a necessária ponderação, à luz das pertinentes palavras do eminente Ministro Roberto Barroso, no julgamento da AP 976/PE, de que “[t]al norma, ainda que considerada constitucional, impõe ao julgador que decidir pela condenação um ônus de fundamentação elevado, para justificar a excepcionalidade de decidir contra o titular da ação penal”.

Vale dizer, uma vez formulado pedido de absolvição pelo dominus litis, caberá ao julgador, na sentença, apresentar os motivos fáticos e jurídicos pelos quais entende ser cabível a condenação e refutar não apenas os fundamentos suscitados pela defesa, mas também aqueles invocados pelo Parquet em suas alegações finais, a fim de demonstrar o equívoco da manifestação ministerial. Isso porque, tal como ocorre com os seus poderes instrutórios, a faculdade de o julgador condenar o acusado em contrariedade ao pedido de absolvição do Parquet também só pode ser exercida de forma excepcional, devidamente fundamentada à luz das circunstâncias do caso concreto.

Assim, diante de todas essas considerações, não há falar em violação dos arts. 3°-A do CPP (“Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”) e 2°, § 1°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”), porquanto o art. 385 do CPP não é incompatível com o sistema acusatório entre nós adotado e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, responsável por introduzir o art. 3º-A no Código de Processo Penal.

Informações Adicionais

Legislação

Código de Processo Penal, art. 385

Código de Processo Penal, art. 3º-A

Lei n. 13.964/2019



Processo

AgRg no HC 798.551-PR, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Prisão domiciliar. Mãe com filho de até 12 anos incompletos. Primeira infância. Acusada investigada pela prática do crime de corrupção de menores em desfavor do próprio filho. Não cabimento. Necessidade de integral proteção dos menores.

Destaque

A utilização do próprio filho para a prática de crimes, por se tratar de situação de risco ao menor, obsta a concessão de prisão domiciliar.

Informações do Inteiro Teor

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que “é possível o indeferimento da prisão domiciliar da mãe de primeira infância, desde que fundamentada em reais peculiaridades que indiquem maior necessidade de acautelamento da ordem pública ou melhor cumprimento da teleologia da norma, na espécie, a integral proteção do menor” (AgRg no REsp 1.832.139/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/2/2020, DJe 21/2/2020).

No caso, as instâncias ordinárias indeferiram o pedido de concessão de prisão domiciliar por entenderem que a agravante também está sendo investigada pela prática do crime de corrupção de menores em desfavor do próprio filho de 14 anos, o qual praticava o tráfico de drogas por influência da acusada.

O fato de a genitora envolver o filho adolescente no tráfico representa risco à própria proteção integral do menor. Nesse sentido, “os fatos de a investigada comercializar entorpecentes em sua própria moradia, pertencer a organização criminosa, responder a outros procedimentos criminais por delitos da mesma natureza e por homicídio, além de envolver os próprios filhos na mercancia de entorpecentes, evidenciam o prognóstico de que a prisão domiciliar não impediria a prática de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença das filhas menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (RHC 99.897/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/9/2018, DJe 15/10/2018).